José Amaro Dionísio, Nada Serve, Averno, 2008


Gostaríamos eu sei sim duma vez por todas possuir a alma dos destroços erguer a alma dos destroços o dorso dela assim comovido torna-se de facto imortal tenho um desejo que ameaça explodir ira corrida saudades o cheiro coado deitados assim na cruz que revela este fim de sufrágio se os amigos te perguntarem pelo queimado nos ombros dirás que foi uma distracção à beira do fogo a pertença assim é uma coisa que serve para não estar sozinho um rudimento suor aberto tudo ao contrário de cargos encargos e empecilhos morte lenta no ecrã campo de concentração ao domicílio e eles fingem não perceber oh como eles falavam o que eles diziam tanta eloquência proposições e o que fizeram o que afinal são onde afinal estão dez dinheiros e uma agonia lenta e sem dor esta dor que nos devolve assim o coração ancorado à sombra da sala ao fumo dos cigarros ao vinho entornado e eles não sabem eles não sabem declinar no corpo um reencontro assim negro e feliz.

José Amaro Dionísio, in Nada Serve, Averno, 2008